domingo, 25 de abril de 2010

A espera de ser lida

Quando eu nasci um dos presentes que ganhei foi um Álbum do Bebê, um daqueles livros ilustrados com espaços para serem preenchidos com a História do bebê, características físicas, as visitas, etc e tal, era a década de sessenta e ainda não existiam as super produções de hoje, pelo que sei, esse álbum foi um presente da minha tia, que ajudou minha mãe na missão de completar todas lacunas, hoje eu vi, que enquanto estávamos na maternidade minha tia fez uma lista das visitas que vieram me conhecer, minha gente, até o primo Agenor marcou presença no quarto 217 da Pró-Matre, sei de tudo isso pois minha mãe, não sei como, guardou tudo, até as receitas com instruções de uso que o pediatra prescreveu, uma loucura visto que em determinado momento o pediatra deixa de escrever o nome das crianças e só prescreve, prescreve... Fico imaginando, pois não lembro de nenhuma visita a doutor nenhum, os cinco no consultório o médico enlouquecido... bom mas o caso não é esse, todo mundo já sabe que a vida da minha mãe era uma loucura, cinco filhos em seis anos... e ela tinha tempo para escrever em álbuns de bebê e guardar as receitas....
Esse álbum faz parte da minha história, minha mãe nunca escondeu essas coisas de nós, tínhamos acesso às coisas, eu gostava de ler as coisas que minha mãe escreveu, inclusive a receita da primeira sopinha que ela fez para mim, lá está escrito que era uma sopa de fígado! Vai ver é por isso que eu não como fígado nem por decreto!
Entre os registros há fotos da minha primeira viagem à praia, no colo da minha avó...
Tudo isso eu já conhecia e tinha intimidade, há, numa página, lá no final do álbum há uma carta do meu pai, escrita em Outubro de 63, com uma letrinha miúda, que eu nunca tinha tido coragem de ler, nem sei bem por qual razão.
Hoje, minha mãe pegou o álbum e perguntou se eu já havia lido essa carta...
Então descobri que estava na hora de ler o que meu pai escreveu para mim quando eu tinha seis meses, lá ele conta um pouco da sua aflição de estar vivendo num país em que o Estado de Sítio havia sido decretado, faliou da conquista do espaço, das músicas que estavam na moda e o mais importante, o quê, durante todos esses anos eu havia me esquivado de ler.
Descobri a razão, logo no início ele escreve que eu iria ler aquela carta quando estivesse mais idosa, claro, hoje me autorizei, minha mãe, que também nunca havia lido o escrito pediu que eu lesse alto, foi difícil, mas eu li.
A essência do que ele escreveu naquela noite de outubro é a promessa do pai que ele queria ser, a alegria que ele sentia de estar formando uma família.
Fiquei muito emocionada, ali está o meu pai, com 25 anos, mas o pai que ele é. (*)

Um comentário:

Aliciene disse...

Paolinha!!!! Adorei isso! Vc escreve muito bem, viu??? Acho que vou aderir! Amei o texto. De uma sensibilidade notável. Parabéns!
Aliciene