quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Cecília e Maria



Minha mãe teve cinco filhos em seis anos.
Essa era uma situação que criava algumas dificuldades e muita solidariedade.
A equação crianças, mamadeiras, fraldas (as de pano) e empregadas, nunca fechava.
Ainda éramos quatro, por pouco tempo, diga-se de passagem e mais uma vez sem empregada nenhuma, nessa situação a melhor opção era juntar toda a tralha, e se mandar para Atibaia.
Nessas ocasiões, meu pai ia e voltava para São Paulo todos os dias. Numa noite ele chegou acompanhado, vinham no banco de trás do carro, duas pessoas.
Minha mãe não gostou da novidade, podia ser qualquer coisa!
Minha avó, num surto de agonia mobilizou todas as amigas, uma delas resolveu a situação, mandou trazer do interior de Minas, duas moças, para ajudar minha mãe.
Cecília e Maria, duas irmãs que vinham de Samambaia, uma cidadezinha perdida no mapa, esquecida da civilização. As duas chegaram com apenas com a roupa do corpo, vestidos rendados de cores alegrinhas, de uma renda brilhosa.
Não conheciam eletricidade, não conheciam encanamento, assustaram-se com a água que jorrava da torneira.
Oficialmente, uma vinha para ser cozinheira, outra babá, de verdade elas vinham para pegar o touro à unha.
Minha mãe logo descobriu que também não sabiam escrever.
Agora, além dos quatro filhos, o bebê a caminho, também tinha Cecília e Maria, não ficar com elas não era uma opção válida.
Então lá das profundezas de um espírito laborioso, surge também a patroa com tempo de mostrar o serviço doméstico, treinar as funcionárias e também, por que não, de ensiná-las a ler e escrever.
As duas eram muito acanhadas, mas muito atenciosas e compenetradas em aprender tudo que a patroa decidiu ensinar, quando eu digo tudo, é tudo mesmo! Atee engomar e entiotar roupinhas de nenê elas aprenderam.
Minha mãe naquela época, eu tenho a sensação, queria abraçar o mundo com uma mão, com a outra ela sempre carregava um bebê, resolveu convidar os padrinhos do meu irmão para passar o final de semana conosco.
Minha mãe, naquela manhã de sábado, antes dos compadres chegarem, havia ensinado como lavar as fraldas: Deixar de molho, depois esfregar, enxaguar, ferver, deixar de molho na bacia.
Assim que as visitas chegaram começa aquela função, acomoda daqui, ajeita dali, a comadre, que também tinha lá umas fraldas para de dedicar, entrou no banheirinho para pegar uma bacia, mas saiu de lá com os olhos mais arregalados que eu já havia visto, chamando minha mãe, havia, de molho, muito branquinhas, muitas fraldas dentro da privada.
A coisa estava melhor que a encomenda!
Por aquelas razões inexplicáveis elas eram muito dedicadas, e todos gostavam muito delas.
Aos poucos foram ficando sabidas, até escrever aprenderam.
Elas eram duas moças doces, gostavam de estar conosco, contar histórias lá da terra delas.
Alguns anos depois, as duas saíram de férias juntas, Maria se casaria.
Na data combinada, Cecília não voltou, minha mãe não perdoou, despediu a moça.
Claro que se arrependeu, fomos até a casa onde a tia trabalhava, mas Cecília já estava recolocada.
Quando veio nos visitar, contou que era arrumadeira do andar de cima numa casa no Morumbi, chique de doer!

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