sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O cafézinho com Matilde



- Matiiiiiiiiiildeeeeeee! Vem tomar um cafééééziiiiiiinho!

É assim que Adelaide chama a amiga para tomar café, desde os tempos do salão. Matilde é uma vizinha "sanduíche", de um lado ficava o salão, do outro a casa de Adelaide, de um lado ou do outro, sempre Adelaide!

As duas são amigas há tempo, ficaram amigas quando o caminhão descarregou a mudança da Matilde, afirma Adelaide. Uma cuida da outra, Matilde que abre a casa para o funcionário que faz a leitura da luz, recebe as encomendas da Adelaide quando ela está fora, Adelaide que compra na cidade as linhas do bordado, os panos da costura para Matilde.

O único cabelo que Adelaide ainda corta é o da amiga, o cabelo dela é bom, mas precisa ser bem cortado, se não ela fica com a cara do Bozo, Matilde não reclama, Adelaide sempre acerta o corte.

Matilde sempre diz para a amiga que é preciso entender o universo masculino, outro dia resolveu fazer uma surpresa para o Lorival, para alegrar a casa, fez almofadas para o sofá e cortinas xadrez vermelho e branco, combinando com as toalhas acolchoadas das mesinhas de canto, listradas e o novo forro das cúpulas do lustre e abjures, arrematados com laços vermelhos, ela trabalhou dias em segredo, ficou lindo!

Quando ele chegou, levou aquele susto, “quequeéisso, Matilde? Tá parecendo a casa dos três porquinhos gay!” Ela ficou ofendidíssima, fez biquinho, que ia chorar, - segundo Adelaide, tudo teatro, a Matilde é muito agitada, devia ir ver isso, deve ser aquela coisa que as crianças tem agora, sabe? Aquilo que antigamente a gente chamava de bicho-carpinteiro? - para amenizar o comentário Lorival, que não é bobo, se redimiu, “tá bonito, mas tira o laço, vai bem?!”

Matilde garante que conhece o universo masculino, a pesar de não compreendê-lo profundamente, "a gente tem que agradar o marido, não pode exagerar, o laço foi o exagero!"

Adelaide admira a vizinha, tantos anos de casamento, é uma santa essa mulher, o Lorival é bonzinho, mas é muito enjoado, só mesmo a Matilde para entender esse homem, às vezes Adelaide chega a pensar que enjoadinha é a Matilde, ela encheu o Lorival de mimos e ele se acostumou.

Matilde foi diagnosticada com câncer de mama, um choque para as duas, foi o Lorival, marido da Matilde quem percebeu primeiro. Não interessa que eles estavam fazendo, isso são as intimidades do casal, ainda bem que ele percebeu logo, bem no comecinho!

Depois do primeiro impacto, Adeláide aderiu à causa, agora, além da DST e AIDS, Hepatites, Tuberculose e a violência doméstica, também luta contra o câncer de mama, virou uma ativista especializada, além das camisetas com o alvo da moda que comprou, ela lembra que no tempo do salão ninguém falava abertamente sobre a doença, usava-se silêncios e olhares para se referir a ela, havia muito mistério, tabu e preconceito, ela lembra quanto sofriam as mulheres que tinham que fazer o tratamento, todas tinham que fazer a Mastectomia radical, agora tudo mudou, já se pode falar, já existe tratamento e a Tumorectomia é uma prática comum. Adelaide aproveita, ensina o auto-exame, incentiva os companheiros ficarem atentos, fazer a manutenção do parque de diversão é obrigação de todos, também, ai se não fosse o Lorival! Proclama a mamografia e espalha por ai, toda mulher tem direito a fazer mamografia e papanicolau pelo SUS, já decretou, agora o câncer de mama tem cura, mas precisa fazer a prevenção do câncer e da preguiça!

Matilde diz que foi a Adelaide que segurou a onda, sozinha ela não teria aguentado, foi um baque. "Foi a Adelaide que me fez acreditar na vida novamente!"

Quando Matilde voltou para casa do hospital, Adelaide quem cuidou da dieta da Matilde, estava tão sem apetite, coitadinha, Adelaide assou e refogou naquela cozinha até descobrir o menu preferido da amiga, se deixasse ela passava a vento.

Uns dias antes da primeira sessão de quimioterapia, Adelaide, de tesouras em punho, apareceu no quarto da Matilde logo cedo e decretou, Vamos dar uma ajeitada nesse cabelo, você não tem vocação para Camila, não quero saber de choradeira quando seu cabelo começar a cair, vamos fazer um corte bem curto e moderninho, se precisar, depois a gente raspa, que tal?

Matilde nem tinha pensado nisso, só sabia que não queria saber de peruca, já chega a amiga dizer que fica com a cara de bozo, de peruca vai ficar com cara de quê? Do Urso do cabelo duro?

Agora Matilde está esperando a terceira fase do tratamento, a quimioterapia á passou, os enjôos e náuseas foram fortes, mas há remédios para amenizar o desconforto, a pesar do mau-estar, Matilde sente que o apoio da família, dos amigos ajudou muito.

Agora tem que correr, a Adelaide está com o café servido e não gosta de atrasos!


Um comentário:

Dinorah disse...

Paola, ^como é bom ler o que você escreve! A história que deveria causar dó, pena etc, acaba por fazer rir e a sua sensibilidade é enorme ao descrever algo tão aterrorizante como esta doença. Desejo sorte e saúde, a Matilde, Adeleide e você.
um beijão querida.
Dinorah