quinta-feira, 4 de março de 2010

A Casa das Sete Crianças

Era uma tarde cinzenta e úmida de inverno. A casa um tanto acanhada para tanta gente, mas a proposta era passar uns dias em contato com a natureza, muito ar puro e liberdade, afinal, moravam na cidade grande.
Naquele ano, além dos irmãos, os primos também estavam lá, para as férias, o único adulto da casa era a mãe da maioria,uma pessoa calma, como avaliavam os vizinhos.
A situação era precária, nada de telefone, nada de lavadora de roupas, o varal vivia carregado de roupas que nunca perdiam aquele encardido característico das aventuras pelos morros de terra roxa do local, por mais que a empregada se esforçasse em esfregar cada uma daquelas tão sofridas peças de roupa, as crianças pareciam mais determinadas em sujar tudo.
Já haviam ficado por tempo demais enclausurados na sacada, já que garoava desde cedo e a rotina da casa não podia ser abalada, a limpeza e arrumação eram sagrados. Eles precisavam de ar, precisavam de espaço.
Estavam animados com o programa prometido para a noite, a lareira seria acesa depois do jantar, mas até lá era preciso pensar em algo para espantar o tédio.
A mãe, para evitar constrangimentos, sempre se aproximava de outras mães com muitos filhos, ou mães de filhos da pá-virada, naquela temporada estava bem amiga de duas irmãs, de uma casa próxima, cada uma tinha cinco filhos, ninguém se assustava com as coisas que aconteciam na casa dos outros!
Quando o tempo estiou, além das sete crianças da casa, os amigos já tinham chegado para as atividades vespertinas. Como já não chovia, alguém propôs uma caminhada, nada mais revigorante! A mãe incentivou, recomendou que os maiores cuidassem dos menores etc e tal, como qualquer outra mãe exigiu que todos s e agasalhassem.
Uma das meninas vestia uma bombacha de veludo vermelho royal e botas de verniz de amarrar que um dia foram roupa de festa, um primo usava botinas gaúchas, aquela com sanfonas na altura do tornozelo.
Era tempo de melhorias no condomínio, depois de muitas deliberações, os condôminos haviam decidido que contruiríam, ao lado da quadra de basquete e da quadra de volei, uma quadra de tênis, muita gente estava animada com a novidade, a mãe dessas crianças preferia que construissem uma cocheira ou curral e criassem vacas leiteiras.
Aquela tarde prometia, era melhor mandar a criançada fazer alguma coisa, a mãe foi bem clara, podem ir, mas voltem antes do escurecer.
Animadíssimas desceram o terreno até a rua, atravessaram um mata burro, a linha do trem o outro mata burros, na maior organização, passaram pela ducha, passaram pelo lago até que chegaram ao local da construção.
Estava tudo conforme o figurino, já haviam terminado a terraplanagem, e despejado uma grossa camada de cimento, que leva dias para secar, depois curar, o tempo úmido estava atrasando o cronograma.
Ao chegar ao destino não houve quem não se encantasse com a magnitude da obra, aquele cimento tão lisinho, uma beleza.
Num instante tudo vai bem, que gracinha essas crianças, tão comportadas, olha que bonitinho os mais velhos de mãos dadas com os mais novos, mas eles estavam procurando ação, aventura, resolveram, então fazer uma expedição até o centro do cimento.
Cabeça de criança é uma coisa muito interessante, é impossível adivinhar por onde vão os pensamentos, sempre há espaço para um passo além, uma experiência uma tentativa. O cenetro do cimento, naquele momento era a terra prometida, uma questão de honra chegar até lá.
O pé afundando no cimento não era um problema realmente, choft, choft, andaram pela futura quadra com cimento até a canela, choft, choft. Alguém até observou que aquela consistência era exatamente a consistência de areia movediça, choft, choft, pura imaginação. Nada melhor que enfiar o pé no cimento, choft, chotf, ninguém pensou nas conseguências, era só prazer, uma aventura verdadeira, nada de faz-de-conta.
De repente apareceu, ninguém sabe da onde, um funcionário, querendo dar uma bronca ameaçando chamar alguém, todos eles, choft, choft se fizeram de inocentes e se pinicaram.
Voltaram pelo mesmo caminho, ao chegar em casa, a mãe que estava degustando aqueles poucos momentos de paz e sossego, ao avistar o estado de calamidade em que se encontravam os rebentos, percebeu que não foi um bom negócio mandá-los passear.
À noite, depois do sermão, do banho, do jantar, a lareira foi acessa, os sapatos depois de enxaguados foram colocados ao pé do fogo para secar.
Na manhã seguinte os sapatos estavam secos, os feitos de couro estavam retorcidos e duros, prontos para serem jogados fora, sem possibilidade de salvação.
As mães se reuniram logo cedo e depois de uma rápida deliberação, todas as crianças ficaram de castigo, o mesmo castigo para todos, essas mães eram ossos duros de roer. O castigo durou pouco, afinal ninguém tinha saúde para manter as rédeas curtas por muito tempo.
Quando a quadra ficou pronta, todo mundo aproveitou muito a novidade, inclusive a mãe que preferia um curral, aprendeu a jogar e desde então nunca mais largou a raquete.
(Conto com a colaboração de todos os personagens aqui citados, inclusive da mãe!)

Nenhum comentário: