sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Eterna mocinha

Foi aluna do Mário de Andrade. (Como assim, Mário de Andrade? A escola? Não, do Mário de Andrade mesmo, o autor modernista, Macunaíma, Amar, verbo intransitivo! Aluna do quê?) De piano, no Conservatório Dramático Musical. Ela achava o professor esquisitão, chegava na classe, sempre macambúzio, socava o piano e ia embora. Ela nem sabia que tinha feito esse Mário de Andrade. (Piano? Ele não era escritor? Era, mas também professor de História da Música, um educador de mão cheia, foi ele que criou o projetos dos Parques Infantis, mas agora presta atenção.)
Estudava na escola das freiras, aprendia piano e já se podia praticar esportes no clube dos italianos. Nadava, jogava tênis.
Essa filha, a terceira, um encanto de menina, gostava de música, de esportes também.
Formou-se professora de piano, deu algumas aulas, mas logo encontrou o futuro marido, anos mais velho, no clube, ele também gostava de esportes, praticou todos, natação, saltos, remo, etecetera também. Ela saltava, da plataforma dos 10 metros, salto anjo, muito estilo. O gosto pela piscina, nuca foi deixado de lado. Ele se encantou ao vê-la mergulhando.
Já bem posto na vida, caminho natural era o casamento, depois os filhos.
Sempre bem disposta, gostava das comemorações, da família reunida, nunca deixou de estar perto dos pais, das irmãs e irmãos.
Era apegada às coisas, aos móveis, que mudavam de casa como se fossem a própria família. O marido, em algum momento, comprou caixas e caixas de talco Ross, um perfume de litro e vinho. Como eu sei? Ela usou o talco (latas e latas, até acabar), o perfume, sobrou muito, uns três litros. O vinho, foi jogado fora, a cada garrafa aberta, não era da qualidade prometida pelo vendedor.
Às vezes, parecia antiquada, na verdade sentia dificuldade com mudanças, tão rápidas, nunca se conformou com as novas moedas, cruzeiro, cruzado. Era um espírito livre, quando pode, foi à China (estava lá durante o massacre da Praça da Paz Celestial) Índia, Europa, rodou o mundo.
Quando a conheci, já era minha avó, está presente em minhas primeiras lembranças, mas nunca deixou de ser a menina-moça, de espírito aventureiro, sempre jovial. Ficou viúva muito cedo, mas não esquentava a cabeça com problemas. Era uma mulher resolvida. Sempre dirigiu, e com as irmãs, ia para cima e para baixo, jogava, passeava. Juntas, estavam presentes em todos os aniversários, casamentos, batizados, velórios e enterros também.
Ela gostava de atenção, de ser lembrada, como todo mundo, a diferença é que ela falava, sem a menor cerimonia.
Na época do meu casamento, não sossegou enquanto não viu o convite, tudo nos conformes.
Foi difícil explicar a escolha do nome da minha filha, ela fazia pressão.
Quando minha outra filha nasceu, ficou com o nome que ela queria, por outro motivo, mas sei que se estivesse viva teria ficado muito feliz.
Sua presença sempre foi forte, uma vez, senti muita vontade de comer uma coisa que ela fazia como ninguém, liguei pra minha tia, a irmã dela, que me falou: Sua avó que fazia isso, acho que era assim, assado. Comecei a fazer a tal comida, e senti sua presença. me mostrando o ponto, guiando minha mão para os ingredientes. Nem precisa dizer que ela era a melhor cozinheira do mundo.
Poderia ficar aqui, muito mais tempo contando como era bom ser neta dela, ela deixava a gente mexer nos armários, fazer penteados nela, brincar de máquina de lã, com o novelo que ela estava tricotando, passar a limpo as receitas que copiava da Ofélia. Não é saudade que sinto, pois vivi intensamente todos os momento que tivemos juntas, sinto a falta que ela faz.

3 comentários:

coizinha disse...

SENSACIONAL

sua avo estudou com mario???
[adoro macunaima]

amei sua avo!!!
pelo que vc descreveu, uma pessoa fantastica...

Paola disse...

Minha avô foi mesmo aluna do Mário, o mais incrível é que ela nem sabia direito o que isso significava!
Quando vi a foto da classe dela, com o Mário!
Ela era mesmo uma figura!
Beijos
PAola

Cristina Sampaio disse...

Bom demais esse seu texto, Paola, está bem escrito, fluente, gostoso de ler. Uma ótima crônica sobre sua avó.
Beijos