segunda-feira, 6 de abril de 2009

Quanto tempo o tempo tem?

O tempo perguntou pro tempo: Quanto tempo o tempo tem?
O tempo respondeu pro tempo que o tempo tem tanto tempo quanto que o tempo tem!
Afora eu adorar parlendas e trava-línguas, essa brincadeira com tempo, hoje, me pegou de jeito. Esse trabalho do registro visual de um personagem da filha-que-já-pode-votar, me mobilizou, ela escolheu a avó dela, por achar que existe material suficiente e de diferentes fases da vida, está escaneando tudo, eu copiando e usando, como qualquer um já pode notar, agora eu posso contar minhas histórias e ilustrá-las com imagens bem reais.
O fato é que algumas fotos só se revelaram inteiramente, agora, digitalizadas, detalhes impossíveis a olho nu, finalmente apareceram. Descobrir semelhanças entre as gerações é impressionante, poder observar com calma, e até descobrir nas fotos gestos e feições tão marcantes, tão únicos, para nunca serem esquecidos, para sempre. Alguns até imortalizados em netas e bisnetas.
Por ser muito xereta, sempre gostei de fuçar, os armários e as gavetas das minhas avós nunca estiveram livres de mim! Quando menina eu adorava mexer em todas as quinquilharias guardadas, primeiro às escondidas, depois, mais velha, abertamente, intencionalmente, quase cientificamente, "vó, que tem aqui dentro desse armário?", "Nada, menina, são só toalhas de mesa", "Toalha de mesa? Eu quero ver!" E lá ia eu, xeretar mais uma gaveta.
Na casa da minha avó materna, ela ficava querendo me cercear, mas eu já tinha idade suficiente para argumentar, ela adorava guardar coisas e eu desencavar. No fundo acho que ela gostava da minha mania de bisbilhotar seu passado guardado em milhares de caixinhas, gavetas, armários.
Nem sei se eu já contei, mas ela era bem vaidosa, olha ela na praia com os filhos, dá para ver, né? Ela tinha um cofre em casa, e a coisa mais legal do mundo, para nós, os netos era saber o segredo, ela fazia o maior suspense, mas acabava contando, todo mundo sabia, dizia que guardava as jóias e a receita do pudim de castanha. As jóias eu até entendia, só achava uma bobagem, ela usava jóias o tempo todo, era um abre fecha de cofre que até cansava, e o pudim de castanha? Não sei, minha mãe tinha essa receita no caderno dela, e era a minha mãe que fazia o quitute para o Natal. O caso é que quando ela morreu, minha mãe e minhas tias precisavam abrir o cofre, pergunta para um e para outro, ninguém, nenhum dos netos lembrava do tal segredo, um dizia que tinha "para direita 45" outro lembrava do "esquerda 17", mas nada que servisse, foi preciso chamar um "chaveiro" para abrir tal cofre, família reunida, o cofre arrombado, a maior surpresa, não tinha jóia nenhuma lá dentro, estavam todas dentro das caixinhas de porcelana em cima da penteadeira, que era lindinha, um charme só! (Coloquei essas miniaturas, pois ela tinha um conjunto igualzinho na vitrine e não encontrei nenhuma foto de caixinhas que pudessem lembrar as da minha avó!)
Por esse meu costume, muitas das fotos que eu coloco aqui, são fotos com legendas narradas por ela, há muitas que se perderam, mas eu lembro muito bem de todas as histórias.
Com todas essas lembranças sendo "aquecidas" por imagens tão significativas, meu caminho é esse, revisitar situações, relembrar a relação, comparar, mudar a perspectiva, buscar explicações em mim para determinados sentimentos.
Nesse movimento de releituras internas, me surpreendo cometendo erros engraçados, não estive presente no noivado dos meus pais, mas ao ver as fotos, tenho certeza de uma presença, ai, olhando bem, finalmente entendi, além de ter folheado o tal álbum à exaustão, naquele tempo, as coisas eram muito diferentes, era costume fazer festas em casa, as casas comportavam, mesmo contratando garçons e copeiras, as anfitriãs tinham orgulho de arrumar a mesa com sua prata, sua porcelana, suas toalhas rendadas.
Então a ficha caiu! O quadro da aula de dança esteve pendurado na parede da casa dela para sempre, a toalha, a louça e os talheres foram usados em todas as comemorações, depois se mudaram para casa da minha mãe!
No fim das contas esse meu gosto por xeretar continua o mesmo, mas agora xereto para dentro, xereto para trás, procuro encontrar pistas que expliquem mais um pouco essa história que não é minha, mas me pertence. Os africanos dizem que você consegue conhecer sua família até a sétima geração, depois tudo é história, eu não chego à sétima geração, estou tentando organizar o que sei até a terceira ou quarta, quem sabe, é a minha história!
Por isso eu não sei quanto tempo o tempo tem, sei que o tempo pode ser vivido e percebido, nas marcas que deixa no espaço e nas pessoas. Ter as marcas do tempo é a garantia da vida vivida e percebida.
Foi em 1990 que eu estudei isso, tempo e espaço vivido e percebido, durante minha história como professora, esse conceito fez toda a diferença. Um dia eu conto como era se professora naquele tempo!

3 comentários:

LuMa disse...

Essa sessão nostalgia está abrindo a gaveta da minha memória tbém. A foto da sua avó é de 1941, início da 2a guerra. Sorte a dela, que não estava deste lado do oceano, e a história teria tomado rumos muito diferentes. Sobre festas de casamentos em casa, me evocou um monte de lembranças boas. Lembro que em casa havia uma cristaleira, cheia de recordações de casamentos das quais era convidada. Muitas eram em cristais, outras em porcelas, bonequinhos e bichinhos. Todos recebiam as recordações com balas-de-noiva junto. Ah, ainda não se usava a taça flute para champagne; bem como o bolo era feito pela melhor doceira do bairro. O bom é que vivemos a comodidade de escanear tudo isso e eternizá-lo materialmente. Beijos!

Paola disse...

LuMa,
O bolo, esse que vc está vendo na foto foi feito pela minha avó, era a especialidade dela "colchão de noiva", eles já estvam aqui por circunstâncias anteriores, mas em 1914, minha bisavó e meu bisavô foram visitar a família na Itália, quando estourou a Iª Grande guerra, ficaram quase um ano esperando para voltar.
Quando chegaram, os filhos menores não reconheceram os pais!
Sabe que eu gosto de abrir essa tampa da memória, principalmente em tempos bicudos, rever experiências, ajuda!

Não é o máximo perceber a passagem do tempo?

Bjs

PAola

Camila disse...

chuchu, o Lula me enoja profundamente...