sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O pileque da Matilde

- Eu trouxe o Cocktail, Matilde!
- Adelaide, eu não bebo, não gosto de vinho, cachaça, vermuth ou cerveja, prefiro a segura e velha Coca-Cola.
- Mas nem sempre foi assim, não é?
- Sempre foi assim, sim, enquanto todo mundo curte um drink alcoólico, eu mantenho-me sóbria, às vezes, fico entediada, que tanto essa gente ri quando bebe? Prefiro a ignorância, afinal fiofó de bêbado não tem dono e passarinho que come pedra sabe o bico que tem.
- Matilde, conta essa história direito, que eu lembro do velório da avó do Lorival.
- Ai, Adelaide, falando assim parece que a gente entornou na beirada da cova! Nem foi no velório!
- Ah! Viu como eu lembro?
- Adelaide, você está misturando as bolas, parece que bebe! Lembra que quando a nona morreu a família se reuniu no velório, nem tinham muito que chorar a pobrezinha já estava para prá lá de bagdá, já tinha emplacado a centena, ninguém esperava muito mais, estávamos tristes, mas ao que tudo indicava era a hora de passar dessa para melhor, já não reconhecia os parentes, já não juntava -com-cré, pobrezinha.
Na verdade é que enquanto rolavam os procedimentos do ritual, as poucas lágrimas se foram e deram lugar às lembranças antigas, a saudade de um tempo de intimidade, os primos e as primas começaram a imaginar que um encontro seria uma oportunidade boa para colocar a conversa em dia, foi só combinar um encontro, da "rapaziada", não eram convidados os "velhos", nem as crianças, era festa de adulto.
A prima de Piracicaba sugeriu um churrasco, o primo Dorival pensou num jantar numa cantina lá pros lados do Bixiga, finalmente a prima Dirce ofereceu sua casa no Butantã, coisa de primeira, todo mundo adorou a ideia.
- Eu lembro que ninguém entornou nada no velório, eu estava lá! Mas na festa que eu não fui convidada? Lembra Matilde? Você escolheu um caftã estampado, que você comprou lá na contrabandista do centro, importado do Havaii, sandálias prateadas com um cacho de cristais, a carteira prateada, e eu bem lembro que você passou a tarde no salão, eu caprichei, fiz um cabelo solto, bem armado, até na maquiagem, eu fiz. Matilde, você ficou fenomenal, parecia uma deusa do cinema. Bem ao seu estilo, no dia-a-dia, nem liga muito para essas coisas de cabelo, roupa e maquiagem, mas se tem motivo, não faz por menos, se monta e arrasa.
- Naquele dia eu descobri que o sucesso de qualquer evento depende do anfitrião, a prima Dirce e o marido estavam muito animados, receberam os convidados com sorrisos e drinks, mostraram a casa para todos, fizeram os primos e primas ficarem à vontade.
- Eu soube mesmo...
- Você não foi por que não quis.
- Eu não quis mesmo, reunião de família, só é bonita no retrato na parede!
- Estava um calor de rachar, era verão, quando chegamos a prima Dirce me ofereceu um suco de tomate, eu aceitei, adoro suco de tomate, eu estava tão animada que não percebi que estava mais prá suco de batata fermentada que outra coisa.
Depois veio um drink coloridinho, parecia bem fresquinho! O calor era tanto, a festa estava tão animada que nem me dei conta que não era só um Cocktail de frutas, acho que tinha rum.
Ai, eu já estava bem relaxada, o marido da prima Dirce me ofereceu uma dose de whisky, como eu nunca tinha experimentado, achei por bem aceitar.
- Essa história está muito comportada, Matilde!
- Eu fui bebendo, Adelaide, eu achei que a prima Dirce ia servir um jantar, fiquei esperando, achei melhor não comer os aperitivos para não estragar o apetite!
- Mas ninguém serviu jantar nehum!
- Pois é, foi ai que fiquei de pilequinho!
- Pilequinho, Matilde? Me contaram que a certa altura da festa você pediu a atenção de todos e começou a declamar poesias em francês! Você nem fala francês!
- Eu estava muito expressiva naquele dia, estava feliz de encontrar os primos.
- Além das declamações e uma "palhinha" de seus dotes musicais, me contaram que você fez uma apresentação de balé!
- É parece que sim, eu não lembro disso, não! Acho que não foi tanto!
- Matilde, como não foi tanto? Soube que você, também, propôs casamento ao marido da prima Dirce! Foi o mair rebu, a prima Dirce ficou mordida. De madrugada quando vocês chegaram, enquanto o Lorival abria o portão, você desceu do carro e gritava que estava com vontade de fazer xixi! Você, Matilde!
- Imagine, Adelaide, O Lorival fala isso para brincar com a gente!
- Matilde, que Lorival? Eu ouvi! Quando eu sai, você estava sentada no vaso de azaléia, com o vestido arregaçado, fazendo xixi!
- Agora você entrou na brincadeira do Lorival?
- Não, Matilde! A Azaléia morreu, a coitada. Eu ajudei o Lorival, fui eu quem te colocou no banho, enquanto ele fazia um café.
- Bem lembro do banho gelado e do café amargo!
- No dia seguinte você entrou no salão com a cara toda inchada, reclamando da ressaca...
- Ai que ressaca, essa eu me lembro bem!
- Você se deitou no chão, no meio das clientes, e pedia para que alguém parasse o mundo!
- Tá vendo, Adelaide, é por isso que eu não como bombom recheado, nem uso homeopatia, não tomo nem floral!

4 comentários:

vera disse...

Paola ,vc me supreende!Sua veia humoristica esta aparecendo cada vez mais forte!Muito bom o seu estilo!Parabens...continue...Esta historia me remete a alguma lembrança já vivida...Bjos

Paola disse...

Obrigada, fico contente que tenha gostado!
Que coincidência! Vc já viveu alguma coisa parecida?
ahahahahahahahaha!
bj
Aguarde!

Dinorah disse...

Paola,
A história é ótima! Por que será que velório de gente velha sempre acaba numa baderna? Que porre! A matilde e Adelaide são ótimas.
Um beijo
Dinorah

Paola disse...

Ahahaha!
Eu prefiro os velórios dos velhos, são muito divertidos,o pessoal tá mais relaxado, os parentes se encontram, mostram as fotos dos netos...
hummm, teve até troca em velório, ihhh, vou ter que registrar esse também!
bj
Paola