sábado, 30 de outubro de 2010

Coisas que eu vi

Já faz mais de um mês que estou envolvida com o grupo de teatro lá no Castelinho.
Outro dia, durante um jogo dramático em que o pessoal parecia um tanto cansado a conversa apareceu, muitos deles haviam participado da invasão aos prédios do centro da cidade.
Eles nos contaram que tudo era muito organizado, que havia uma coordenação, que cada um tinha uma carteirinha para entrar e sair dos prédios.
Foram depoimentos emocionados, são pessoas que estão em risco social, tudo está por um fio, um fio de esperança de uma vida melhor e para participar dessa empreitada eles precisam fazer escolhas. Quem mora em albergue, se não aparece para dormir, perde a vaga...
O pessoal que participa dessa atividade está em risco social, os motivos são variados e uma decisão dessas faz com que fiquem mais próximos do risco.
Ficamos intrigadas, precisávamos ver com nossos próprios olhos e estávamos tão perto.
Fomos até lá, primeiro batemos no prédio na Av. São João, o "porteiro" chamou um dirigente que nos mostrou o local e nos contou como a invasão funciona.
Tanto em um prédio quanto no outro, o cenário é desolador, são prédios abandonados há muitos anos, sujos, cheio de mofo, infiltração, sem água, sem energia. O cheiro impregnado de esgoto e todo tipo de sujidade. Imundos,sem condição de uso.
Mas havia muita gente trabalhando, uns recolhiam os entulhos, outros lavavam, outros faziam instalações e ainda havia gente cozinhando.
Percebemos que há, de fato, uma grande organização, descobrimos que há pessoas que saem para trabalhar, mas a maioria fica lá, o tempo todo, ocupando o local, há homens, mulheres e crianças, há a turma da manutenção e limpeza, há o pessoal que vai até o Ceagesp e Mercadão para buscar a comida, há a turma da cozinha e o pessoal da "escolinha", que cuidam das crianças durante o dia.
O prédio da São João é um antigo hotel abandonado, que todo caindo aos pedaços, guarda algumas lembranças de um passado próspero, os lambris na parede, os grandes espelhos, os pisos de mármore.
O outro, num passado mais recente, teve um uso menos pomposo, soubemos pela coordenadora que o prédio está abandonado há quinze anos, há uma dívida de IPTU enorme, foram encontradas milhares de cartelas de bingo, e em cada um dos andares, há muitos quartinhos com banheiros mínimos, sugerindo que o bingo fosse apenas fachada para um prostíbulo.
Nesse prédio da Ipiranga as condições são tão precárias quanto.
Combinamos, então de voltar e iniciar um trabalho com as mulheres, propusemos encontros semanais com atividades de fortalecimento da auto-estima, de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.
Descobrimos, também que o pessoal da invasão não quer necessariamente se instalar na esquina mais famosa de São Paulo, querem apenas que o poder público faça uso da verba existente para moradia popular.
O défict de habitação na cidade de São Paulo chega a 1,5 milhões de moradias, isso é assustador.
Parece uma conta que não fecha, mas observando a quantidade de prédios abandonados, me parece que se o poder público pensasse em termos de uma equação de 2º grau, quem sabe as coisa não seriam mais simples?

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